"“O rio,
objeto assim a gente observou, com uma croa de areia amarela, e uma praia
larga: manhã-zando, ali estava re-cheio em instância de pássaros. O Reinaldo
mesmo chamou minha atenção. O comum: essas garças, enfileirantes, de toda
brancura; o jaburu; o pato-verde, o pato-preto, topetudo; marrequinhos
dançantes; martim-pescador; mergulhão; e até uns urubus, com aquele triste
preto que mancha. Mas, melhor de todos – conforme o Reinaldo disse – o que é o
passarim mais bonito e engraçadinho de rio-abaixo e rio-acima: o que se chama o
manuelzinho-da-c'rôa. Até aquela ocasião, eu nunca tinha ouvido dizer de se
parar apreciando, por prazer de enfeite, a vida mera deles pássaros, em seu
começar e descomeçar dos vôos e pousação. Aquilo era pra se pegar a espingarda
e caçar. Mas o Reinaldo gostava: - “É formoso próprio...” – ele ensinou. Do
outro lado, tinha vargem e lagoas. P’ra e p’ra, os bandos de patos se cruzavam.
– “"Vigia como são esses..."” Eu olhava e me sossegava mais. O sol
dava dentro do rio, as ilhas estando claras. "“É aquele lá: lindo!"”
Era o manoelzinho-da-crôa, sempre em casal, indo por cima da areia lisa; eles
altas perninhas vermelhas, esteiadas muito atrás traseiras, desempinadinhos,
peitudos, escrupulosos catando suas coisinhas para comer alimentação.
Machozinho e fêmea às vezes davam beijos de biquinquim – a galinholagem deles.
"É preciso olhar para esses com um todo carinho..."” Reinaldo disse.
Era... De todos, o pássaro mais bonito e gentil que existe é mesmo o
manuelzinho-da-c'rôa.”"
Guimarães Rosa
(Bebeto bahia)